segunda-feira, 25 de junho de 2012

Guerra Civil Espanhola e Arte





Guerra Civil Espanhola, iniciada no dia 18 de julho de 1936, foi marcada, durante três anos, pelo conflito entre as forças nacionalistas de direita - que pretendiam um golpe de Estado - com os partidários da esquerda republicana, no poder na época.

Esse sangrento conflito entre as "duas Espanhas", que deixou mais de 500.000 mortos e ficou famoso em todo o mundo pelas múltiplas atrocidades ocorridas, terminou em abril de 1939, com a vitória dos direitistas comandados pelo general Francisco Franco, que impôs ao país a repressão através de uma ditadura que prosseguiu até 1975, ano de sua morte.


A Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini apoiaram os direitistas, enquanto que a União Soviética apoiou os republicanos durante o confronto, classificado atualmente por muitos como um prelúdio da Segunda Guerra Mundial.


Auxiliado pelas forças aérea alemã e italiana, o exército rebelde na África, comandado por Franco, e as forças nacionalitass do norte, dirigidas pelo general Emilio Mola, conquistaram inúmeras vitórias no caminho para Madri.


Entretanto, as forças rebeldes foram detidas por milícias ao norte da capital. A entrada na guerra em outubro, junto aos republicanos, da URSS e depois das célebres Brigadas Internacionais permitiu equilibrar temporariamente as forças.


Os dois grupos iniciaram uma guerra de posições, marcada por duras batalhas - Jarama, Belchite e Teruel - e massacres indiscriminados da população civil, especialmente em Guernica, no País Basco, arrasada pela aviação nazista em abril de 1937, com 1.600 mortos.


Pouco a pouco, o exército nacionalista, bem equipado e disciplinado, foi se impondo aos republicanos, que não foram auxiliados pelas democracias ocidentais, entre elas a França e a Inglaterra.

A última contra-ofensiva em novembro de 1939, com a derrota dos republicanos, marcou a rendição dos esquerdistas, que se renderam no dia 1o de abril de 1939. Essa derrota foi seguida de uma cruel repressão do regime de Franco, que fuzilou cerca de 50.000 republicanos.


O "Blitzkrieg" - ofensiva relâmpago com blindados - foi um dos métodos de ataque aperfeiçoados na Espanha pelas forças estrangeiras presentes no conflito, que depois foram usadas na 2ª Grande Guerra.

  

As crianças da Guernica e seus Países Adotivos 
Com a Guerra Civil, durante os anos de 1937 e 1938, mais de 35.000 crianças foram levadas para a União Soviética e México. Outros países europeus também acolheram os refugiados, entre eles, França (22.000) e Bélgica (mais de 3.000). Muitas deles nunca mais voltaram para a Espanha, mas seus depoimentos nos permitem reconstruir hoje a parte da história de uma geração que sofreu os horrores da guerra e o desarraigo.

México
- O governo republicano, transferido para Valencia, organizou desocupações infantis para o México, país que ofereceu refúgio através do seu Presidente Lázaro Cárdenas. Quase 500 mil crianças foram enviadas para a cidade de Morelia em Michoacán, alojando-se em uma escola recém equipada num prédio da igreja. A sociedade moreliana era extremamente conservadora para acolher crianças de famílias republicanas, dando lugar a uma série de conflitos. A imprensa conservadora aproveitou o momento para fazer uma campanha contra a política cardenista em relação aos refugiados espanhóis. Na década de 60, as crianças de Morelia já haviam estabelecido profundas raízes sociais e familiares no México, por isso muitas delas não voltaram para a Espanha.

Amparo Batanero: Tinha apenas 5 anos quando pegou um trem para ir ao México junto com seus irmãos em 1937. As lembranças dos primeiros anos não são muitas, mas recebia cartas de sua mãe dizendo-lhe que se comportasse e que se reuniriam em breve. Mesmo com uma dívida pendente, visitou Espanha para “conhecer” os pais e a irmã menor que tinha ficado lá. Em 1974 recebeu a nacionalidade mexicana com orgulho e agradecimento.


Unión Soviética
- A União Soviética apoiou o governo republicano desde o início da Guerra Civil e acolheu mais de 3.000 crianças, recebidas como heróis. Elas foram educadas no mais alto nível das diversas matérias para que ocupassem boas posições profissionais ao regressarem à Espanha. Mas ao final da Segunda Guerra Mundial, Espanha e União Soviética já não mantinham boas relações diplomáticas e as crianças não tiveram alternativa do que continuar a viver no local que as acolheram. A maioria que decidiu voltar ao país de origem durante a década de 50 não conseguiu se adaptar e seus diplomas acadêmicos não foram reconhecidos pelas autoridades espanholas.

Juanita Prieto: Em julho de 1937, aos 12 anos de idade, ela deixou seus pais, tios e avós para se refugiar na União Soviética. Ela estudou com professores espanhóis e com livros que eram traduzidos para que as crianças não perdessem o contato com a língua castelhana. Durante muitos anos viveu com a ilusão de voltar para Espanha, mesmo sem ter tido nenhuma notícia de familiares. Durante a década de 90, com a União Soviética devastada e sem nenhum patrimônio, transladou-se para sua terra natal onde, mesmo com as lembranças da infância, sente-se tratada como estrangeira.


Grã Bretanha
- Inicialmente, negaram acolher as crianças refugiadas por temor que o ato fosse interpretado como um apoio aos republicanos, mas a forte reação da opinião pública britânica diante o bombardeio de Guernica, forçou o governo a mudar sua decisão. 4.000 crianças foram recebidas sem nenhuma contribuição econômica ou material. Voluntários de organizações civis ocuparam-se delas em um imenso acampamento ao ar livre no sul da Inglaterra. Após o final da Guerra Civil, uma grande parte destas crianças voltaram para a Espanha.

Begonia Ballesteros: Suas lembranças da guerra são a sirenes antes dos bombardeios e a destruição. Morava em Bilbao e foi levada para a Grã Bretanha junto com sua irmã em 1937. Em 1940, quando Franco pede que as crianças refugiadas sejam devolvidas, volta para seu país sem conseguir ver os pais, em meio de perseguições e fome.


O Brasil no contexto da Guerra Civil Espanhola

A primeira pergunta que se coloca e que se mostra importante para a análise da participação brasileira no contexto da Guerra Civil Espanhola remete à questão da nossa pouca participação naquele conflito. Seria pelo fato de mantermos uma tradição histórica mais vinculada a Portugal, a razão explicativa para tanto? Uma entre outras respostas mostra a presença dominante do Estado Novo que, tendo sido gestado desde 1930, em 1937 já assumia a responsabilidade de ‘zelar’ pelo posicionamento do país, colocando-o vulnerável aos programas da esquerda.


Logicamente, num Estado como o Brasil, onde os movimentos pendulares de esquerda/direita oscilaram com freqüência e força, o efeito de situações semelhantes no exterior teria que produzir impactos. Assim mesmo, antes do estabelecimento da ditadura estadonovista, o terrorismo de direita já inibia qualquer iniciativa brasileira que se afigurasse como apoio à esquerda1. Dada a não existência expressiva de imigrantes espanhóis como noticiadores dos atos republicanos, restava à grande imprensa e às instituições comprometidas com ideários afinados com o governo motivar e controlar qualquer divulgação.


O Estado oficial brasileiro era claramente interessado em promover a versão da Guerra como ‘caos’ e ‘resultado da democracia desordenada decorrente das eleições e do regime republicano’. Nada mais oportuno que a exemplificação imediata da Espanha. Neste sentido, aliás, atuaram as máquinas propagandísticas da direita que já estavam funcionando a todo vapor desde o chamado ‘biênio negro’ espanhol (1934-36).


Na mesma linha, todo um serviço ‘saneador’ de propaganda insistia, sobretudo através do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), na mesma tecla. Isto valia para a política autoritária brasileira como um sinônimo da vontade governante, acima da Constituição e dos direitos civis suspensos em 1930 e, depois, em 1934, e novamente em 1937. Elaborou-se, então, no Brasil uma engenharia noticiosa que reorganizou as informações, instruindo-as com teor ideológico, montada para fomentar a idéia de que as esquerdas, em qualquer lugar do mundo, eram inconseqüentes e desastrosas. Assim, as notícias da Guerra Civil Espanhola tiveram um efeito de eco para mostrar a oposição como incapaz e destruidora da ordem e do progresso.


Depois de afogado o ‘movimento comunista’ do Rio de Janeiro de 1935, o ‘exemplo’ espanhol serviria para o governo brasileiro reforçar suas teses autoritárias, e, neste cenário, poderia atuar como juiz, evitando que ocorressem no Brasil os ‘desastres da Guerra Espanhola’.


Estava proibido o apoio aos republicanos. Além do governo, a grande imprensa também se situava e, logicamente, ainda que nem sempre respondendo como porta-voz único do Estado, em essência concordava com os posicionamentos da direita, mas, nos detalhes, divergia, fazendo ainda sérios ataques ao futuro ditador Getúlio Vargas.


Numa época em que os meios de comunicação internacional estavam organizados em cadeias e que o Brasil se colocava como país de certa importância no contexto econômico mundial, havia um envolvimento global interessado em mantê-lo como parte de um todo mais amplo, até em nível do noticiário. Grandes jornais, como O Estado de São Paulo, então o mais importante do país, mantinham compromisso coerente com a posição do governo no tocante ao apoio às direitas mas dentro de um projeto próprio, variante do governo. Este fato, aliás, colocou O Estado sob censura de 1939 a 1942.


Em face do posicionamento tão claro do governo central, e do controle dos órgãos noticiosos, haveria de restar aos brasileiros apenas formas alternativas de participação nos eventos espanhóis.


Na literatura brasileira, há poucos escritos a respeito do assunto e registra-se apenas um livro de memória de autoria de José Gay da Cunha,
Um brasileiro na Guerra Espanhola. Escrito sob o ponto de vista do cronista, o livro traduz muito do sentido de um militar brasileiro, defendendo fora do próprio país o que não podia fazer dentro dele.

O Estado Novo não só perseguia os simpatizantes, como também promoveu controle rígido da correspondência e da produção dos cidadãos comuns e, especialmente, dos artistas. Nesse sentido, explicam-se atitudes ‘clandestinas’ como a de intelectuais que teriam facilitado viagens para brasileiros saírem do país rumo à Espanha. Aliás, entre os pontos mais instigantes do debate sobre o envolvimento do Brasil na Guerra Civil Espanhola, está o posicionamento dos jornalistas, artistas e escritores.


Se, na superfície aparente, pouco realce eles tiveram, em profundidade nota-se que houve alguma produção que, por meio de sutilezas e riscos, permitiu vazar comentários a respeito das questões em jogo na Espanha. Uma série variada de obras e atitudes de escritores, de uma ou de outra maneira, trouxeram a Espanha ao conhecimento público. Num ambiente de censura, logicamente, estas "notícias" não foram óbvias nem sem camuflagens. Também não surgiram imediatamente nem sem contornos, às vezes de difícil captação.


Com os jornais censurados, com o controle da produção artística exercido pelo Estado que atuava diretamente no resultado dos trabalhos, restava aos intelectuais a imaginação para materializar formas de solidariedade. A poesia foi o gênero mais freqüentado pelos artistas que se manifestaram a favor da Espanha republicana. Logicamente, o espaço da oposição se fazia mais importante, porque significava um duplo protesto: protesto contra a ditadura brasileira e oposição ao fascismo.





Em 1956, Jorge Amado abria a trilogia Subterrâneos da Liberdade com uma sintomática evocação a García Lorca (Buscaba el amanecer y el amanecer no era). O conjunto dos livros narra as aventuras de partidários comunistas no Brasil, e, especialmente, o segundo volume (Agonia da Noite), ocupa-se da relação direta entre os marinheiros do porto de Santos e a recusa em transportar café para a Espanha de Franco. Não fosse o largo espaço do livro ocupado para a discussão da problemática espanhola, o texto quase que passaria sem significado para a história, mas os detalhes chegam a impor certa atenção de quem lê sob a hipótese da discussão da problemática internacional.

Na linha das histórias curtas, ou contos, pelo menos uma merece destaque, não pela qualidade estética e sim pela originalidade do contexto. Trata-se de um conto de Guido Guerra, escritor baiano que relata as aventuras de um filho e de seu pai espanhol, Manolo, que sendo antifranquista, em terras brasileiras, detrata Franco.


Um dos itens mais interessantes da resistência de segmentos intelectuais brasileiros transparece nas páginas da Revista Acadêmica, inaugurada em 1933, no Rio de Janeiro. Esta empresa reunia os modernistas brasileiros para divulgar idéias e trabalhos atualizados. Faziam parte deste grupo pessoas como Mário de Andrade, Alvaro Moreira, Artur Ramos Aníbal Machado, Cândido Portinari, Santa Rosa, Jorge Amado, Sérgio Milliet e José Lins do Rego.


O secretário de redação era Murilo Miranda e a Revista deveria ser mensal. Sabe-se que esta publicação durou de 1933 a 1945, tendo colocado a público 66 números. Indubitavelmente, a Revista tinha em mente a orientação da intelectualidade local em face dos problemas políticos que atormentavam a Europa dividida entre esquerda e direita. Depois de 1937, a presença da Guerra Civil Espanhola passa a chamar a atenção, e de uma média de quinze artigos publicados por número, houve casos de sete serem sobre aquele evento.


Os textos, em geral, em obediência a uma estratégia ‘clássica’, eram traduçoes de intelectuais renomados internacionalmente (Gorki, Malroux, Gide, Lorca, Thomas Mann). Interessante notar que se alguns dos membros do corpo editorial eram comunistas (Graciliano, Jorge Amado, Santa Rosa e Portinari), outros não o eram. Enfatizava-se, com vigor, nestes artigos, a quebra da legalidade e o respeito à democracia.


Convém lembrar que nem só de oposição eram alimentados os argumentos que discutiam a Espanha. No caso dos aliados de Franco, um importante texto fora publicado pela "Bibliotheca da Intelligencia a Serviço dum Christianismo Racional", sob o título
Espanha em Sangue: o que vi e sofri. O autor, o jornalista Soares d’Azevedo, que estava na Espanha por ocasião do início da Guerra, na defesa irrestrita do Catolicismo divulgava o caos, motivado pelos sem crenças.

O debate sobre a Guerra Civil Espanhola, seus efeitos e envolvimentos brasileiros, convida a supor que houve níveis de comprometimento. Em primeiro lugar, considera-se os limites da participação brasileira submetida ao totalitarismo da ditadura varguista. Por outro lado, é importante ressaltar a existência de sintonia com a problemática internacional, manifestada, por exemplo através da participação dos judeus brasileiros que procuravam, como os comunistas, afastar o fantasma do fascismo. Igualmente representativo é o papel democratizante que assumia parcela do Exército brasileiro, que no tempo abrigava uma representativa e atuante ala de esquerda. Vale assinalar que a Guerra Civil Espanhola serviu como metáfora para a provocação do grande debate nacional em torno da democracia e de suas viabilidades brasileiras.

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